João Marques e Felippe: genro, sogro, sócios (Parte I)

(Celso Nascimento) – Primeiro de janeiro de 1866. Neste dia, na matriz de São João Batista do Rio Verde, antiga denominação de Itaporanga (SP), era batizado o menino João Marques Rodrigues, que veio a ser o pai de Maria Helena do Nascimento (a Lena), e, portanto, meu avô. Nascido em 15 de novembro do ano anterior (1865), João recebeu os óleos batismais das mãos do vigário-adjunto Mathias de Genova – frade capuchinho que desenvolveu notável trabalho apostólico no Norte Pioneiro, incialmente na Colônia Militar do Jataí (atual Jataizinho), passando depois pelas paróquias de São José da Boa Vista, Santana do Itararé, Jaguariaíva e Castro, onde projetou e construiu a magnífica catedral local e esculpiu em madeira de cedro trazida de Minas Gerais a maioria da imagens que ocupam os altares da bela igreja.

João Marques Rodrigues e Felippe, em retrato feito por volta de 1900. Infelizmente, a foto original está muito danificada. Na colorização automática e geralmente fiel do Photoshop, destacam-se os olhos claros de ambos.

João era filho de Manoel Marques Rodrigues (1840) e de Marinha Pereira. O casal era recém-chegado a Itaporanga vindo de Araraquara (SP) e já traziam no colo as filhas Maria Rita e Francisca. Depois de João, vieram Florêncio, nascido também em Itaporanga; outros três viram a luz em Santana do Itararé. A mudança da família exigia percorrer o curto mas difícil trajeto por uma trilha de cerca de 30 quilômetros, bem como a perigosa travessia do rio Itararé, que já dispunha de serviço de barcas para este fim. Tudo em meio às tribos indígenas que habitavam por ali.

Dos avós paternos de João sabe-se tão somente que foram João Manuel Rodrigues (1815 até cerca de 1876) e Maria Gertrudes do Espírito Santo (1820), desconhecendo-se suas ascendências. Já por parte da mãe, Marinha, a árvore genealógica é extensa, aprofundando-se por inúmeras gerações muito presentes também na região Sul de Minas Gerais vizinhando com Nordeste Paulista. O pai de Marinha, Franciso Leonardo Pereira, era de São José dos Campos (SP), mas casou-se com Anna das Dores da Silva em Silvianópolis (SP), onde a família dela residia.

Da certidão de óbito de Francisco Leonardo consta que ele morreu em Santana do Itararé aos 92 anos “vítima de uma queda do cavalo”. De duas gerações anteriores encontra-se seu tataravô dele, o Capitão Antônio José de Macedo Ferreira, português nascido em Braga (Portugal) em 1722 e que de lá veio já casado com Maria Rosa de Siqueira e Sá. Em algum momento estabeleceram-se no município de Campanha (MG).

Não se sabe que escolas frequentou e em que graus se formou, mas escritos deixados por João Marques Rodrigues indicam que ele tinha um bom nível de escolaridade, como provam não só a qualidade da caligrafia – uniforme e absolutamente clara – e sua notável obediência às regras gramaticais vigentes em sua época, além da clareza nas narrativas. É relevante esta informação tendo em vista a raridade de boas escolas no interior que em que se criou e em que não mais de 20% dos habitantes eram escolarizados, preodominantemente homens brancos.

Não foram encontrados registros de que tenha se graduado em lugar fora de Itaporanga ou Santana do Itararé; em São Paulo ou lugares próximos mais prósperos como Itapetininga ou Sorocaba por exemplo. Mas seus dotes para as letras certamente logo o credenciaram para ocupar cargo de escrivão do cartório de Santana do Itararé e, em seguida, ser nomeado para o posto de Juiz Distrital.

Mais tarde, em 1908, recebeu do então presidente da República Affonso Penna a patente de Capitão da Guarda Nacional, diploma que guardo com carinho.

Interessante notar que pelo menos seus irmãos homens (Florêncio, Moisés e Luiz) apresentaram qualidades semelhantes quanto à boa escrita, como se pode verificar em achados de caligrafia e pequenas notas constantes de livros cartoriais, o que pode denotar que a família se preocupava com educação, ainda que fosse básica.

Tais habilidades permitiram paralelamente que João estabelecesse também, a partir de meados de 1895,  um armazém de secos e molhados com endereço na praça da matriz de Santana do Itararé. Lá se vendia de tudo, de carreteis a chapéus, de porcos a vacas, de tecidos a panelas, de sapatos e botas, roupas de bebê, pólvora e arreios, alguns remédios. Fazia muitas trocas de mercadorias: por exemplo, vendia sal, recebia um capado… vendia açúcar, recebia toucinho como pagamento. Também em dinheiro à vista ou fiado. Livros contábeis da época, bem preservados, encontram-se sob minha guarda.

Esta loja teve um sócio especial – nosso patriarca e fazendeiro Felippe Fernandes de Azevedo. É provável que tenha concorrido com o capital inicial, pois pelos livros ficou visível que o atendimento à frequesia e a primorosa administração da casa ficavam por conta de João. Felippe aparece nestes livros como um bom freguês, assim como sua segunda esposa, Maria Luíza, frequente compradora de sapatinhos infantis, tecidos e armarinhos. Outra curiosisade: de vez em quando mandava à loja o “negro” Paulo para buscar modestas “quantias”.

Em julho de 1895, aos 29 anos, João se casa com Maria José do Espírito Santo, de 18 anos – filha única de Felippe Fernandes de Azevedo do seu casamento com Anna Vicencia Fernandes de Campos. Ela era filha de José Felippe Fernandes de Campos, tio de Felippe e, portanto, prima em primeiro grau de Felippe (precisaram da licença episcopal de São Paulo para poderem se casar em 1868, em razão da consanguinidade).

João Marques Rodrigues Felippe Fernandes de Azevedo acumulavam, portanto, a tripla relação de genro, sogro e sócios.

Na segunda parte des post, veremos que a irmandade de João Marques e a numerosa família exclusivamente feminina que construiu com Maria José.

Em pé, de paletó preto e gravata borboleta, é possível, pela semelhança física, que se trate de Francisco, o irmão caçula de Felippe, já nascido em Santana de Itararé em 1855. Dos demais personagens não se conhece a identidade, embora alguns deles pareçam “importantes”.

Na parte II deste post veremos

 

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